Porque não aceito mais trabalhar de graça
Desabafo de uma ativista cansada de receber “oportunidades de visibilidade”
Olá minha lindeza climática ❤
Se prepara porque hoje eu vou hablar.
Se você faz parte de alguma minoria social, ou seja, se é uma mulher, preta, LGBTQIAP+, PCD ou periférica que tem alguma projeção nas redes, provavelmente já recebeu algum desses convites:
- Que tal vir aqui na empresa conversar com a galera?
- Estamos organizando um painel e acho que você seria a pessoa perfeita para compor a mesa! Bora?
- Topa me dar a sua opinião sobre esse programa que estamos desenvolvendo?
- Você gosta de escrever, né? Vem ser colunista na minha plataforma.
Os convites podem até parecer sedutores, mas na verdade são perversos e eu vou te contar o porque a partir da minha experiência.
Meu nome é Amanda Costa e sou uma mulher preta. Sempre gostei de comunicar, mas foi apenas em 2021 que decidi transformar essa parada em parte do meu trabalho. Foi um momento dolorido, sufocante e muitoooooo revoltante, no qual escrevi três artigos para narrar a experiência e extravasar os sentimentos. Se estiver curiosa, você pode conferir nos links abaixo:
- #01 O dia que eu decidi parar de ser trouxa
- #02 O ano em que a minha vida mudou
- #03 Como o Levi explodiu a minha mente
A real é que ano vai, ano vem e a lógica a mesma. Pensa como é para as mulheres pretas, que precisam lidar diariamente com a invisibilidade causada pelo racismo estrutural, receber convites assim. Pode até parecer uma baita oportunidade, mas quero te provocar a pensar com mais profundidade nesses tipos de abordagens.
Porque sera que recebemos essas paradas como uma meeeeega oportunidade de visibilidade quando homens brancos recebem esses convites juntamente com um pedido de orçamento?
Por muito tempo as pessoas pretas não chegavam nesses lugares, de protagonismo, visibilidade e admiração. O lugar do preto era na senzala ou na casa grande, trabalhando no campo ou no caso das mulheres, como ama de leite, babá, cozinheira ou empregada.
O mundo mudou… será?
Esses convites não são uma baita oportunidade de visibilidade, eles são uma maneira de manter o status quo e perpetuar um sistema de exploração, subalternidade e racismo!
Querida leitora, agora quero compartilhar dois convites que recebi essa semana:
- Participar de uma imersão sobre mudanças climáticas
- Dividir a minha história para apoiar o brainstorming da realização de uma conferência internacional
As duas coisas são uma parada maneira, que eu super me interessei em construir junto. Mas ambas vieram na forma de “suuuuper oportunidade” e eu estou cansada desse discurso.
O primeiro convite chegou com um email, mas decidi não responder porque não sabia muito bem como formular essa reflexão que estou dividindo contigo nesse exato momento, minha querida leitora. Eu senti um mix de sentimentos: inconformismo, revolta e indignação, mas não tinha ideia de como escrever isso num email. Eu pensava: será que eles não enxergam o óbvio?
Para participar do rolê (com duração de 4 dias) eu precisaria parar de trabalhar durante esse período. A questão é que eu, enquanto empreendedora social, ainda não tenho sustentabilidade financeira para fazer esse movimento.
Ahh, mas Amanda. A gente cobre passagem, hospedagem e alimentação…
Ótimo! Mas quem pagará as minhas contas de luz, água, telefone, mercado, feira, transporte, remédios? Se você tem um emprego estável e segurança financeira, isso pode até parecer pouco. No entanto, isso faz totaaaaal diferença na vida de pessoas que pertencem a grupos minoritários, principalmente quando falamos de jovens mulheres negras que estão empreendendo uma ONG na quebrada!
Eu não respondi o email e depois de um tempo, uma das colaboradoras entrou em contato comigo via whatsapp. Desse modo, me senti segura para partilhar essas questões e fui super acolhida! Ela me agradeceu por abrir minha vulnerabilidade, conversou com a equipe e eles disponibilizaram uma pequena ajuda de custo para que eu pudesse participar do evento com tranquilidade.
Lindo, né? Mas a vida da ativista não é fácil e a segunda experiência foi bem diferente. Veja só como chegou o convite:
Eu agradeci o convite e perguntei se era uma ação voluntária ou remunerada. Após saber que era uma ação voluntária, disse que não tinha disponibilidade e perguntei se poderia indicar alguém. Essa foi a resposta que tive:
Querida leitora, você consegue sentir o julgamento nesse breve comentário? A pessoa nem perguntou meu motivos, não estava realmente interessada na minha história. Respondeu como se eu quisesse lucrar em cima das “ATIVIDADES VOLUNTÁRIAS PARA A REALIZAÇÃO DE UMA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL”.
Esse breve papo me levou para um lugar profundo de reflexão:
Qual é o genero e a raça das pessoas que podem fazer trabalho voluntário no Brasil?
Geramente são homens brancos da classe média/alta, que não tem ideia de como é a vivência de uma mulher negra e periférica.
Por mais revoltante que essa realidade seja, percebo que o mundo está mudando. Os eventos que não tem mulher, gente preta e PCD já não são mais aceitos! Pensar em diversidade vai muito além de chamar uma mulher preta para falar, mas é desenvolver ações práticas onde todo o conhecimento é devidamente valorizado.
Juro que se ele falasse: “Amanda, a gente não tem grana. Mas quero muito ter você com a gente. Posso conversar com o pessoal e ver a possibilidade de trazer uma ajuda simbólica. Você aceitaria?” eu teria dito SIM, independente do valor!!! Porque não é a grana em si, mas a intenção de querer apoiar o meu corre, sabe?
A postura dessa pessoa me fez lembrar de uma passagem do livro PACTO DA BRANQUITUDE, da Cida Bento:
“Os negros são vistos como invasores do que os brancos consideram seu espaço privativo, seu território. Os negros estão fora de lugar quando ocupam espaços considerados de prestígio, poder e mando. Quando se colocam em posição de igualdade, são percebidos como concorrentes.”
Querida leitora, grava uma coisa: eles precisam mais da gente do que nós deles! Não vamos mais abaixar a cabeça e cair no papinho de estar dispensando uma “super oportunidade”. Não queremos apenas ser admirados, mas exigimos ser reconhecidos e valorizados financeiramente por todo o nosso trampo!
Beijos de luz da sua gata climática,
Amanda Costa
Curtiu o texto? Deixe suas palminhas, clicando até 50 vezes. Aproveite para me seguir no Instagram, no Tiktok e no LinkedIn :)
Amanda Costa é ativista climática, jovem conselheira do Pacto Global da ONU, fundadora do Instituto Perifa Sustentável e apresentadora do #TemClimaParaIsso?, um programa sobre crise climática. Formada em Relações Internacionais, Amanda foi reconhecida como #Under30 na revista Forbes, TEDx Speaker, LinkedIn Top Voices e Creator e em 2021 foi vice-curadora do Global Shapers, a comunidade de jovens do Fórum Econômico Mundial.