Você sabe o que é privilégio branco?

Reflexões do livro AMERICANAH, da Chimamanda

Amanda da Cruz Costa
6 min readMar 12, 2022

Olá meu dadinho de tapioca com geleia de pimenta :)

Desde que me reconheci enquanto mulher negra, entrei numa busca constante por autoconhecimento e redescobrimento, mergulhando em livros de autoras negras, escurecendo as minhas relações e desenvolvendo um olhar crítico para as questões raciais.

E sabe o que é mais doido?

Percebi que poucas pessoas brancas estão realmente dispostas a fazerem o mesmo movimento para se tornarem antirracistas. Dá um super trabalho, eu sei! Mas se queremos combater o sistema patricarcal capitalista de supremacia branca, precisamos primeiramente entende-lo.

Talvez a expressão Sistema Patricarcal Capiltalista de Supremacia Branca ainda seja confusa para você, meu caro leitor. Então bora começar pelo simples: você sabe o que significa privilégio branco?

Antes de eu explicar esse conceito, quero te mostrar uma citação do livro Americanah, da autora Chimamanda:

“Bom, um cara falou para o professor Bonitão: “essa história de privilégio dos brancos é besteira. Como posso ser privilegiado? Passei uma infância pobre para cacete em West Virginia. Sou um caipira dos Apalaches. Minha família recebe ajuda do governo”. Tudo bem, mas o privilégio é sempre comparado a outra coisa. Agora imagine alguém como ele, alguém que seja tão pobre e fodido quanto ele, só que negro. Se ambos fossem presos, digamos, por posse de drogas, seria mais provável que o cara seja mandando para o tratamento e mais provável que o cara negro seja mandado para a cadeia. Todo resto é igual, exceto a raça. Veja as estatísticas. O cara que é um caipira dos Apalaches é um fodido, o que não é legal, mas se ele fosse negro, ia ser fodido ao quadrado.”

Quando me reconheci racialmente, comecei a levantar esse debate na minha roda de amigos. Até que um dia, uma amiga branca me disse:

“Amanda, não existe diferença entre você e eu. Na verdade, eu sou mais pobre que você, então você é mais privilegiada do que eu.”

Essa frase não veio porque minha amiga era sem-noçao (ok, talvez um pouquinho), mas sim porque ela não teve letramento racial, assim como a maioria da população brasileira. Eu mesma só fui começar a olhar para essas questões com 22 anos! Antes eu acreditava na meritocracia e concordava com certos tipos de frases, como “somos todos humanos”.

Lindeza, muitas pessoas simplesmente não entendem por que é importante racializar o discurso e entender de que ponto cada sujeito parte, porque nunca foram estimuladas a isso.

Agora leia esse próximo trecho, também do livro Americanah:

“Ele também disse para o professor bonitão: “Porque a gente sempre tem que falar de raça, aliás? Não podemos simplesmente ser humanos?”. E o professor bonitão respondeu: “é exatamente isso que é o privilégio dos brancos, o fato de você poder dizer isso. A raça não existe realmente para você, pois nunca foi uma barreira. Os negros não tem essa escolha. O negro que mora em Nova York não quer pensar em raça, até que tenta chamar um táxi, não quer pensar em raça até quando dirigi sua Mercedes em alta velocidade e o policial o manda parar. Por isso, o caipira dos Apalaches não tem o privilégio de classe, mas tem o privilégio da raça com certeza.”

Essa reflexão faz sentido? Pode ser sincero se não fizer. Por muito tempo essas questões foram bem intangíveis para mim e eu não queria aceitar o fato de que NÃO BASTA apenas ser muito esforçada para conquistar os meus maiores sonhos.

Para você não achar que isso é coisa da minha cabeça, comece a fazer o Teste de Pescoço. Entre no seu trabalho, facu ou banco e vire o pescoço para analisar o ambiente: primeiro busque as pessoas pretas, depois conte quantas são e por fim, veja qual é a posição que ocupam. São cargos de liderança ou de subalternidade?

  • Subalterno: aquele que está sob as ordens de outro, que é subordinado ou inferior a outro em graduação ou autoridade.

Pois bem, não precisa parar por aí. Também quero te incentivar a fazer o Teste do Privilégio Branco, que conheci no livro da Chimamanda:

- Quando você quer entrar para um clube exclusivo, se pergunta se sua raça vai dificultar a entrada?

- Quando você vai fazer compras sozinho numa loja cara, tem medo de ser seguido ou assediado?

- Quando você liga numa emissora de televisão ou abre um jornal importante, encontra pessoas que são, em sua maioria, de outra raça?

- Você se preocupa com o fato de que seus filhos não vão ter livros e material escolar que falem de pessoas da raça deles?

- Quando você pede um empréstimo no banco, teme que, por causa da sua raça, vai ser considerado pouco confiável financeiramente?

- Quando você xinga alguém ou se veste com roupas velhas, acha que as pessoas talvez digam que faz isso por causa da falta de moral, da pobreza ou da ignorância de sua raça?

- Quando você se sai bem em alguma situação, espera que considerem uma honra para a sua raça? Ou ser descrito como “diferente” da maioria das pessoas da sua raça?

- Se você é mal atendido numa loja cara e pede para ver o gerente, espera que essa pessoa seja de outra raça que não a sua?

- Se um policial de trânsito manda você parar seu carro, você se pergunta se é por causa de sua raça?

- Se você aceitar um emprego numa empresa que tenha uma cota de vagas para pessoas negras, teme que seus colegas pensem que não é qualificado e que foi contratado apenas por causa da sua raça?

- Se você quer se mudar para um bairro caro, teme não ser bem recebido por causa da sua raça?

- Se precisar de ajuda legal ou médica,você teme não encontrar profissionais da mesma raça que a sua?

- Quando procura por lingerie ou curativos “cor de pele”, já sabe que eles não vão ser da cor da SUA pele?

É doloroso pensar nessas questões. Por muito tempo, eu escolhi fechar os olhos e acreditar que a minha determinação bastava para eu alcançar meus objetivos. Mas não, existe todo um sistema que rege as estruturas sociais e que faz com que TODAS AS COISAS fiquem mais difíceis para mim apenas pelo fato de eu ser negra.

Então eu decidi estudar e falar sobre isso.

No entanto, desafiar o status quo e lutar por uma transformação social não é um rolê só meu, mas de todos nós! Portanto, meu caro leitor, quero te convidar a REALMENTE adotar uma postura antirracista:

  • Perceba o racismo internalizado em você: A maioria das pessoas admite haver racismo no Brasil, mas quase ninguém se assume como racista. Massssss, é impossível não ser racista tendo sido criado numa sociedade racista, é algo que está em nós e contra o que devemos lutar sempre.
  • Aprofunde o seu letramento racial: você pode fazer isso consumindo livros de autores negros, vendo filmes e séries protagonizados por pessoas de pele retinta e seguindo criadores de conteúdo que abordam o tema.
  • Apoie pessoas pretas: já pensou que VOCÊ pode mentorar um jovem negro e ajuda-lo em sua carreira? Não espere o movimento vir dos seus líderes, adote uma postura antirracista e seja ativo nessa luta.

Olhar as questões de raça trará incômodo, desconforto e estranheza, mas não pare! Converse com amigos que sejam letrados racialmente, diga que assumiu o antirracismo como missão de vida e peça apoio ❤

Ficou com alguma dúvida? Bora trocar ideia nos comentários!

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Amanda Costa é ativista climática, jovem embaixadora da ONU, delegada do Brasil no G20 Youth Summit e fundou o Instituto Perifa Sustentável. Formada em Relações Internacionais, Amanda foi reconhecida como #Under30 na revista Forbes, LinkedIn Top Voices e Creator, TEDx Speaker e atua como vice-curadora no Global Shapers, a comunidade de jovens do Fórum Econômico Mundial.

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Amanda da Cruz Costa
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Written by Amanda da Cruz Costa

#ForbesUnder 30 | Conselheira Jovem da ONU | Dir. Executiva do Perifa Sustentável

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