#COP29 — Baku: Reflexões de uma jovem ativista climática

Olá minha gata climática ❤

Acabei de chegar no Brasil, depois de duas semanas ultra-mega-master-blaster desafiadoras na cidade de Baku (Azerbaijão), na qual participei da 29ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU, a COP 29.

Às vezes sinto que minha vida é um filme, em que cenas de comédia, drama, ação, suspense, romance e até mesmo um pouquinho de terror se misturam em meio às rotinas, viagens, sonhos, conversas, reflexões e atividades do dia-a-dia. Quem me acompanha há mais tempo sabe que sou cristã, seguidora de Jesus Cristo. Sei que trazer uma afirmação dessas nos dias de hoje pode soar confuso, afinal de contas, é possível defender pautas progressistas e ao mesmo tempo estar alinhada aos valores bíblicos?

Por muito tempo, essa foi uma questão que me tirou o sono… Cresci numa igreja evangélica extremamente conservadora, daquelas que não pode usar brinco, pintar unhas e cortar o cabelo. Mas eu sempre ficava com uma pulguinha atrás da orelha, sabe? Acreditava que Deus estava mais interessado no meu coração do que na minha aparência. Com o tempo, passei a me envolver em grupos de militância e me aproximei da teologia negra, aprendendo a fazer diferenciações entre a vontade de Deus e normas culturais criadas muitas vezes como forma de dominação social.

Hoje frequento uma igreja que está aberta às discussões progressistas. Aprendi a construir a minha verdade a partir do meu relacionamento com Deus, isto é: leitura da palavra, jejum e oração. Estar sensível a voz do Eterno fundamenta tuuuuudo que faço na vida, desde os meus relacionamentos, minhas decisões e até às oportunidades malucas que aparecem na minha jornada.

Querida leitora, talvez você esteja se perguntando? “tá bem… mas por que a Amanda está me contando tudo isso?” 🙃Por que minha vida é emoção pura e meu processo de mobilização/captação para participar da conferência foi intenso hehehe

Na real, o processo de captação desenrolado por jovens ativistas para participarem das negociações de clima poderia muito bem ser uma novela da Globo, de tão complexo, desafiador e emocionante que é. Quando me tornei Jovem embaixadora da ONU em novembro de 2020, achei que esse rolê se tornaria um pouquinho mais fácil. Pura ilusão! O que tive foi um processo maneiro de formação, ampliação da rede de contatos, mas nada de financiamento para me engajar nos espaços internacionais de tomada de decisão. As COPs que participei foram mediante a mobilização individual e coletiva, muitas vezes através de vaquinha virtual, venda de rifas ou ativando minha própria rede, como família, amigos e seguidores. Depois de tanto sofrer e passar perrengue, uma hora a gente aprende né?

Masssss, como não vivemos no mundo mágico da Disney, uma coisa é aprender os processos, outra coisa é conseguir executá-los hehehe.

Durante esta caminhada aprendi que alguns ativistas captam dinheiro de doadores gryngos, outros são contratados como consultores e precisam entregar um relatório final para alguma organização do terceiro setor. Uma outra galera escreve projetos e coloca os custos da viagem como uma das atividades, já outros são convidados por grandes empresas para participar de painéis, e com isso, possuem todos os custos cobertos pela organização que fez o convite.

Por muito tempo, esse assunto foi complexo para mim. Participar da COP é uma ação extremamente cara (em torno de R$20.000 a R$30.000, dependendo do país) e eu sempre achei que deveria captar todo esse recurso para investir na Brasilândia, meu território. Contudo, ao final deste ano percebi que não precisa ser “uma coisa ou outra, mas posso fazer os dois: captar recursos para desenvolver projetos no meu território e representá-lo nas conferências de mudanças climáticas da ONU, solidificando tanto a minha liderança territorial quanto o meu papel de construtora de pontes entre o local e o global!

Apesar de sentir paz com essa reflexão, não tínhamos tempo para colocar a COP29 nos projetos, pois precisaríamos de um tempinho para escrever, aprovar e ter o dinheiro na conta. Desse modo, os projetos do Instituto Perifa Sustentável relacionados à intersecção entre as conferências de clima e aos territórios periféricos foram encaminhados para a COP 30, que ocorrerá na cidade de Belém, no estado do Pará, aqui mesmo no Brasil.

Eu juro que estava em paz com essa decisão. Não iria para a COP esse ano e focaria nas mobilizações para a COP 30. Contudo, meus planos mudaram após uma conversa com a Elaine Silva, diretora do Alma Preta Jornalismo. Ela me estimulou a participar da conferência, disse que me ajudaria com a hospedagem e que a gente daria um jeito de conseguir a passagem, tudo isso faltando literalmente 1 mês para a viagem!

Foi só eita atrás de vixe.

Conversei com as representantes da Vozes Negras Pelo Clima, coletivo que faço parte que já estava se movimentando para participar da conferência e me auto-convidei para integrar a delegação. Algumas oportunidades precisam ser criadas, né leitora 😅A partir deste ponto, tudo aconteceu muito rápido: fiz a doação do dinheiro da passagem para a Anistia Internacional, consegui ficar num quarto junto com a Tamara, coordenadora da rede Vozes Negras Pelo Clima e peguei minhas economias para trocar por alguns dólares.

Toda a minha história na COP foi desenhada para ser baixo custo: me alimentava bem no café da manhã, montava um lanchinho da tarde para levar na conferência (2 ovos cozidos + um sanduíche + frutas diversas) e tomava sopa de lentilha ou de cogumelos a noite, que era o item mais barato do cardápio. No final da segunda semana eu já não aguentava mais, estava bemmm enjoadinha de comer as mesmas coisas todos os dias.

Mas é aquela história: o que não nos mata, nos fortalece! Sei que muitas pessoas vão para as COPs numa posição bem mais confortável, com diárias de 80, 100, 120 dólares! Mas apesar do desconforto em estar numa posição de aperto financeiro (o dinheiro estava bem contadinho), me senti muito grata por pagar minha passagem de avião, ter ganhado a hospedagem e conseguir acompanhar as negociações climáticas da UNFCCC.

Minha querida leitora, agora que já te dei um contexto da loucura que foi participar da conferência, bora falar das negociações?

Em resumo, foi caos total! A COP que ficou conhecida como COP das Finanças, pode ser renomeada como COP dos Fracassos! Um dos objetivos principais era adotar uma nova meta de financiamento climático, mas o contexto geopolítico (Eleição de Trump, Guerra de Israel Palestina, Crescente lobby do Petróleo) já dizia que grandes desafios nos esperavam.

Não foi por acaso que Baku, a cidade que tem como ponto turístico a visita a poços de petróleo, foi escolhida para sediar a conferência de mudanças climáticas da ONU. Neste ano, ficou evidente o poder da indústria petroleira e seus 1770 lobistas nas negociações. Temas como Financiamento Climático, Adaptação, Mitigação, Balanço Global do Acordo de Paris, Perdas e Danos, Transição Justa, Transferência de Tecnologia e Transparência prometeram tudo e não entregaram nada! Em algumas destas negociações foi até apresentada a temida REGRA 16, que é colocada diante da falta de consenso entre as partes e posterga as discussões para o próximo ano sem que sejam considerados nenhum dos documentos produzidos em sessão.

Éhhh gata climática, foi complexo ver todo o trabalho vindo por água abaixo:

  • Fundo de Perdas e Danos: Não houve consenso sobre o financiamento e a governança do fundo, tópico crucial para apoiar países vulneráveis a eventos climáticos extremos. As discussões se concentraram em quem deve contribuir e como operacionalizar o fundo, mas divergências entre países desenvolvidos e em desenvolvimento impediram avanços.
  • Mecanismos de financiamento climático: As negociações sobre como os países desenvolvidos financiarão a adaptação e mitigação em países mais vulneráveis também encontraram dificuldades. Brasil e Reino Unido foram convocados para auxiliar a Presidência da COP, mas não tiveram grandes conquistas. Em especial, houve divergências sobre a distribuição de recursos e os compromissos financeiros dos países ricos.
  • New Adaptation Support Program (NASP): O NASP, que visa estruturar o apoio a projetos de adaptação nos países mais vulneráveis, também foi alvo de postergamento devido a disputas sobre financiamento e critérios de elegibilidade.
  • Transição justa: a expectativa era de engajar o Programa de Trabalho de Transição Justa com processos robustos nas negociações. Contudo, essa expectativa foi frustrada logo na primeira semana por falta de consenso entre as partes sobre o rascunho de decisão que serviria como base para as negociações e a REGRA 16 foi aplicada, adiando o papo para a próxima COP, em Belém (Pará — Brasil).

Isso foi só um pouquinho do caos climático que rolou na sala de negociações. As diversas aplicações da REGRA 16 evidenciam as divergências políticas, financeiras e operacionais entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Há uma enorme dificuldade na concretização de acordos definitivos e de acordo com a LACLIMA, a COP 29 será para sempre lembrada como a COP que não entregou:

  • Não entregou uma decisão para operacionalizar o Programa de Trabalho de Transição Justa — um programa que vai seguir por mais um ano totalmente esvaziado e com escopo indefinido;
  • Não entregou uma decisão para implementar as recomendações do Balanço Global do Acordo de Paris e garantir que a próxima rodada de NDCs esteja alinhada com seus resultados, inclusive com um processo de transição para longe dos combustíveis fósseis; e
  • Não entregou uma decisão unânime sobre a nova meta de financiamento climático, com diversas objeções manifestadas durante a plenária, e uma linguagem ambígua e pouco assertiva.

QUE SHOW DA XUXA É ESSE???

Para não dizer que tudo foi uma bost*, o Artigo 6 (Mercado de Carbono) conseguiu trazer um pequenino avanço na agenda da UNFCCC. Masssss, mesmo essa vitória coloca em xeque a confiança no processo multilateral como forma de cooperação para enfrentamento da crise climática, tendo em vista a condução pouco transparente e obstrutiva da Presidência da COP.

No final da conferência, o financiamento climático era um dos assuntos mais falados. Mas sabe aquele meme de Expectativa X Realidade? 😮 A expectativa era de USD 1.3 trilhão de investimentos por ano até 2035, a realidade ficou em míseros 300 bilhões. Quase um troquinho de padaria dos países ricos, que tiveram uma postura bemmm avarenta nesta discussão! O jeito é a gente deixar essa galera em segundo plano e partir para as negociações bilaterais entre os países do sul global, fortalecendo a cooperação sul-sul. A China, por exemplo, se mostrou disposta em apoiar os países do Grupo G77 e financiar uma transição ecológica inclusiva, colaborativa e sustentável.

Essa COP me mostrou que apesar das dificuldades, é essencial que representantes de organizações da sociedade civil acompanhem o processo burocrático das negociações climáticas. Anos desafiadores nos aguardam, minha querida leitora climática. Saio dessa COP com o coração repleto de incertezas e apreensões em relação ao futuro… A dica que te deixo é: permaneça firme, beba água, coma salada, faça exercícios, medite e durma 8 horas por noite. Precisaremos de muita energia para sobreviver num planeta cada dia mais aquecido!

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Ativista climática, jovem conselheira do Pacto Global da ONU e fundadora do Instituto Perifa Sustentável. Amanda Costa é formada em Relações Internacionais, atua como Embaixadora Cultural dos EUA (IVLP — International Valuable Leadership Program) e Jovem Consultora do British Consul (Climate Skills e #90YouhVoices — UK). Reconhecida como #Under30 na revista Forbes, é TEDx Speaker, LinkedIn Top Voices, LinkedIn Creator e já participou de 5 conferências oficiais das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, sendo elas COP 23 — Bonn (Alemanha), COP 24 — Katowice (Polônia), COP 26 — Glasglow (UK), COP 27 — Sharm El Sheik (Egito), COP 28 — Dubai (Emirados Árabes), COP29 — Baku (Azerbaijão). Em 2024, Amanda foi painelista no BRICS Green Cities Forum, em Moscow — Rússia.

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Amanda da Cruz Costa
Amanda da Cruz Costa

Written by Amanda da Cruz Costa

#ForbesUnder 30 | Conselheira Jovem da ONU | Dir. Executiva do Perifa Sustentável

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