Um defeito de cor

Uma reflexão sobre o livro de Ana Maria Goncalves

Amanda da Cruz Costa
6 min readApr 9, 2024
“A luta unia os pretos e fazia com que se importassem mais uns com os outros, pois muitas vezes a força estava na quantidade de gente reunida em busca de liberdade.” (Ana Maria Goncalves)

Oi lindeza climática ❤

Quero te contar uma história que marcou a minha vida, mas peço paciência, amor e cuidado, pois os assuntos aqui ainda machucam o meu coração…

Meu primeiro amor foi um cara chamado Lourenço, ele era alguns anos mais velho e tinha um sorriso que me iluminava! No primeiro momento, eu o via como um irmão, por conta de seu carinho, cuidado e a forma que ele sempre me protegia. No entanto, o desenrolar dos meses gerou um desenrolar de sentimentos, e eu logo me imaginava vivendo lindas histórias de amor, aventura e romance ao seu lado.

Eu ainda era virgem e queria fazer as coisas da maneira correta. Então logo tratei de conversar com a Maria Felipa, que era a responsável pela fazenda que eu prestava serviços e se mostrava bem entendida das coisas. Combinamos um casamento e chamamos o padre, ele iria visitar a nossa casa na próxima oportunidade para realizar meu matrimônio com o Lourenço.

Mas estava rolando uma coisa esquisita… Eu percebia que o senhor José Carlos, marido da Maria Felipa, me olhava de uma forma diferente. Sempre que eu estava fazendo algum serviço da casa e não tinha ninguém por perto, o senhor José me observava com desejo. Uma vez ele perguntou se eu já tinha ficado mocinha e pediu para ver meus peitos. Antes mesmo de eu responder, ele mandou eu levantar a blusa e começou a acariciá-los. Eu não entendi muito bem o que estava acontecendo, mas sentia que era errado.

Lourenco também percebeu o interesse do senhor José Carlos, mas como éramos empregados dele, não havia nada que pudéssemos fazer a não ser torcer para que o Padre viesse logo e realizasse o nosso casamento.

Certo dia, um amigo que também trabalhava na fazenda me passou um serviço. Disse que precisava dos meus trabalhos em uma área distante e tinha ordens para me levar até lá.

Ahh, se eu soubesse o’que iria acontecer!

Lourenco estava de olho na conversa e percebeu que havia algo de errado. Ele nos seguiu durante todo o percurso, mas caminhava de forma tão silenciosa que eu até esqueci da sua presença.

Depois de um tempo de caminhada, a gente chegou numa pequena casa, a mais afastada da fazenda. Meu amigo disse que o senhor José Carlos estava me esperando e era para eu não inventar moda, que nem pensassem em resistir ou fugir pois iria ser pior.

Eu me senti tão triste naquele momento! Estava me guardando a para me entregar ao Lourenco apenas após o casamento, assim como ensina a Bíblia, o livro sagrado do Senhor. Mas toda aquela espera seria em vão e eu estava fadada a me deitar com um homem que tinha idade para ser o meu pai.

Com uma mágoa profunda em meu coração, entrei em casa. Encontrei o Senhor José Carlos me esperando, ele disse que era para eu subir para o quarto e tirar toda a minha roupa. Fiz conforme ele mandou, pois sabia que não tinha para onde fugir.

Após alguns minutos, escuto os passos do senhor José Carlos subindo as escadas. Meu coração se apertou, e eu só conseguia pedir para meus orixás que aquilo acabasse logo e que não doesse tanto. De repente, escutei um tiro e um barulho na porta. Passos apressados sobem a escada e logo vejo o Lourenco, meu grande amor, adentrando o ambiente.

Ele empurrou o senhor José Carlos, que nos olhou atordoado, pegou as minhas roupas e disse:

Corre, Kehinde!

Segurei forte em sua mão e corri. Eu sentia um mix de euforia, felicidade e medo. O’Que faríamos em seguida? Quando já estávamos a uma distância segura da fazenda, Lourenço disse para eu me vestir e me contou o seu plano. Ele iria fugir e em breve voltaria para me buscar. Iríamos para uma ilha distante, nos casaríamos e logo poderíamos viver a nossa linda história de amor.

Eu temi pelas nossas vidas, mas confiei no plano.

Alguns dias se passaram, e quando achei que finalmente me veria livre daquele homem nojento, o senhor José Carlos me pediu para ir à pequena casa afastada novamente. Meu coração palpitava e eu temia pela a minha vida.

Antes fosse só a minha vida que corresse perigo…

Assim que entrei na casa e subi para o quarto, eu vi Lourenco. Meu amado, meu querido Lourenco estava tão machucado! Ele tinha marcas de chibatas por todo o corpo, a sua pele estava em carne viva e ele mal conseguia respirar. Algum instrumento de ferro prendia a sua garganta, fazendo com o que todo o seu corpo ficasse ereto apesar dos diversos machucados.

Depois de perceber o meu choque inicial, o senhor José Carlos gritou:

Essa lição vocês nunca vão esquecer! A virgindade das escravas é propriedade do dono. Vocês acharam que seriam mais espertos do que eu? Vocês me pertencem, eu sou o dono de vocês e faço o que eu bem quiser, entendeu?

E logo em seguida ele me deu um tapão no rosto, abriu as minhas pernas e entrou em mim de forma violenta. Eu nunca senti dor igual, parecia que o membro dele rasgava as minhas entranhas como se rasgasse uma folha de papel. Mas a dor maior foi ver as lágrimas nos olhos de Lourenço, que nada podia fazer para acabar com aquele gesto violento…

Depois de alguns minutos se esfregando dentro de mim, o senhor José Carlos finalmente relaxou e soltou um líquido branco, gosmento e pegajoso na minha racha, que escorria pelas minhas pernas e fez com que eu me sentisse suja. Logo em seguida, ele olhou para o Lourenço e disse que lhe ensinaria uma lição. Ele abaixou as calças do meu amado, virou ele de costas e também o violentou. Eu chorava, gritava, pedia para ele parar, mas ele só parou quando aquele líquido saiu dele mais uma vez.

Quando eu pensei que aquele pesadelo estava acabado, o senhor José Carlos gritou:

Mande subir o castrador de porcos! Vou mostrar como tratamos escravos desobedientes aqui nesta fazenda.

E antes mesmo que eu pudesse entender oque estava acontecendo, um homem alto entrou no quarto. Com um golpe rápido e certeiro, ele virou Lourenco de frente e cortou o seu membro. Meu amado gritou de dor e desmaiou. Acho que também desmaiei, pois minha visão ficou turva e tudo escureceu. Quando recobrei os sentidos, estava no quarto, sendo cuidada pelas escravas mais velhas.

Querida leitora, esse é um dos relatos encontrados no livro Um defeito de Cor, da escritora Ana Maria Goncalves. Esse livro conta a história de um Brasil colonial, um Brasil real, que traz diversas histórias apagadas pela narrativa branca, elitista e colonizadora.

Essa leitura me atravessou, machucou, mas me permitiu conhecer um pouco mais da verdade do Brasil. Espero que esse breve relato possa te instigar a ler o livro e conhecer o’que historicamente nos foi negado.

E se já leu o livro, me conta nos comentários o que achou? Bora criar um espaço de trocas, compartilhamentos e desabafos seguro ❤

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Amanda Costa é ativista climática, jovem conselheira do Pacto Global da ONU, fundadora do Instituto Perifa Sustentável e apresentadora do #TemClimaParaIsso?, um programa sobre crise climática. Formada em Relações Internacionais, Amanda foi reconhecida como #Under30 na revista Forbes, TEDx Speaker, LinkedIn Top Voices e Creator e em 2021 foi vice-curadora do Global Shapers, a comunidade de jovens do Fórum Econômico Mundial.

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Amanda da Cruz Costa

#ForbesUnder 30 | Conselheira Jovem da ONU | Dir. Executiva do Perifa Sustentável