Quarto de despejo — Resenha de uma favela eterna
Reflexões do livro Diário de uma favelada, da Carolina Maria de Jesus
“Eu classifico São Paulo assim: o palácio, é a sala de visita. A prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos.” (Carolina Maria de Jesus)
Olá minha lindeza climática :)
Hoje eu quero conversar com você sobre Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras escritoras negras e precursora da Literatura Periférica no Brasil.
Carolina nasceu em Sacramento (MG) no ano de 1914 e migrou para São Paulo logo após a morte da mãe. Seu primeiro emprego foi como empregada doméstica e mais tarde, passou a catar papel e outros tipos de lixo reaproveitáveis para sobreviver.
“Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo de ouro que reluz a luz do sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhantes. Que à minha vista circula o jardim e eu contemplo as flores de todas as qualidades. É preciso criar este ambiente de fantasia, para esquecer que estou na favela.” (Maria Carolina de Jesus)
A escritora enxergou na literatura uma possibilidade de superar a fome e sair da favela, e por isso registrava seu dia-a-dia na comunidade do Caninde. Por conta de uma reportagem sobre o local, o repórter Audálio Dantas conheceu Carolina e descobriu seus diários, vendo uma força potente nos escritos da autora.
Desse modo, o jornalista auxiliou-lhe a publicar seu primeiro livro Quarto de Despejo — Diário de uma Favelada, uma obra atemporal que denuncia a exclusão, a desigualdade social e o preconceito racial. O relato da favelada foi um sucesso internacional, sendo traduzido em 16 idiomas e vendido em mais de 40 países!
“Quarto de despejo não é um livro de ontem, é de hoje. Os quartos de despejo, multiplicador, estão transbordando.” (Audálio Dantas)
Precisamos escurecer nossa literatura
Fui me reconhecer enquanto mulher negra em 2019. Desde então, vi o quanto a minha vida havia sido embranquecida e como o meu conhecimento literário foi formado por livros de coaches e gurus meritocráticos, geralmente oriundos do norte global. Contudo, uma coisa precisa ficar bem escura: a meritocracia não existe! Muitos pobres e favelados têm apenas duas escolhas: se render ou sobreviver.
Com o relato de Carolina Maria de Jesus, pude visualizar a favela pelos olhos da autora, marcada por grande miséria, pequenas alegrias e muita FOME. Nada diferente dos dias atuais, né?
“… Fui na sapataria retirar os papéis. Um sapateiro perguntou-me se meu livro é comunista. Eu disse que é realista. Ele disse-me que não é aconselhável escrever a realidade.” (Carolina Maria de Jesus)
Querido leitor, você já se perguntou por que falar de realidades pode ser tão incômodo para algumas pessoas?
Quando o preto encontra o valor de compartilhar a sua história, ele fomenta um movimento profundo de força, beleza e questionamento de privilégios.
Ao mesmo tempo que vi proximidade com a narrativa de Carolina, me vi distante da realidade da autora. Eu sou negra, moro na periferia e também me coloquei num processo voraz de sobrevivência. Todavia, hoje desfruto de algumas vantagens sociais: tenho pais presentes, tive acesso ao ensino superior e sei que posso abrir a geladeira que encontrarei alimentos frescos para preparar a próxima refeição.
Vemk, leitor. Você já passou fome?
Reflita sobre alguns trechos da Carolina:
- “Os meninos comem muito pão. Eles gostam de pão mole, mas quando não tem eles comem pão duro. Duro é o pão que nós comemos, dura é a cama que dormimos. Dura é a vida do favelado.”
- “Levantei nervosa, com vontade de morrer. Já que os pobres estão mal colocados, para que viver? Será que os pobres de outro país sofrem igual os pobres do Brasil?”
- “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo, e nas crianças.”
Pois é, a fome dói. E sabe o que é mais duro? Nosso país voltou ao Mapa da Fome, temos mais de 49 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar moderada ou grave!
Não podemos fechar os olhos para essa realidade e viver numa bolha. É necessário falar sobre isso, olhar para os privilégios e decidir o que vamos fazer com as vantagens que a nossa posição social carrega. Eu decidi utilizar o meu lugar para ser porta-voz e denunciar as atrocidades que acometem o meu povo, a galera preta e periférica.
A Carolina lutava para conseguir comida e sair da favela. Eu luto para que as pessoas periféricas parem de ser excluídas e possam ser ouvidas. Espero que assim como o livro Quarto de Despejo ativou algo vibrante dentro de mim, esse artigo também possa ativar algo que transborde em você, meu querido leitor.
Vamos olhar para o povo, lutar pelo coletivo e fazer algo com as nossas vidas que esteja além do ego. Esse precisa ser um processo de construção, desconstrução e reconstrução constante! Talvez seja um pouco doloroso, mas é profundamente necessário para acelerar a transformação social, econômica e ambiental que o nosso planeta tanto almeja.
Eu já estou comprometida com essa luta. Agora eu posso contar com você?
“A vida é igual a um livro, só depois de ter lido sabemos o que encerra. E nós quando estamos no fim da vida é que sabemos como a vida decorreu. A minha até aqui, tem sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar de onde eu moro.” (Carolina Maria de Jesus)
Topa fazer algo para mudar essa realidade?
Participe da campanha TEM GENTE COM FOME.
Amanda Costa é ativista climática, jovem embaixadora da ONU, delegada do Brasil no G20 Youth Summit e fundou o Instituto Perifa Sustentável. Formada em Relações Internacionais, Amanda foi reconhecida como #Under30 na revista Forbes, LinkedIn Top Voices e Creator, TEDx Speaker e atua como vice-curadora no Global Shapers, a comunidade de jovens do Fórum Econômico Mundial.