Projeto AYÊ — Mulheres para a COP 30: Racismo Ambiental

Aula 02/11, com Ana Sanches

Amanda da Cruz Costa
8 min readFeb 6, 2025

Para a segunda aula do Projeto AYÊ — Mulheres para a COP 30, convidamos Ana Sanches, que além de ser uma amiga muitoooo querida, é uma das maiores referências em racismo ambiental no Brasil. A gata é doutoranda em Mudança Social e Participação Política pela EACH/USP e atualmente trabalha como consultora no Ministério da Saúde.

Muito chique, ne?

Ana entrou no governo a convite da diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental do Trabalhador, com o intuito de produzir dados sobre quilombos e periferias, para entender como os territórios marginalizados afetam a saúde e bem-estar da população negra brasileira.

“Estou trabalhando num projeto muito raro no Brasil, pois fala da questão racial discursiva, reflexiva e filosófica, produzindo dados e construindo com quilombos e para quilombos. Pela primeira vez na história, mostraremos como as pessoas estão sendo contaminadas por conta dos seus territórios, discutiremos racismo ambiental e mostraremos como as mudanças climáticas estão afetando os modelos de vida e a saúde das pessoas.” (Ana Sanches)

Querida leitora, sabemos que a área da saúde é extremamente masculina e embranquecida. Portanto, é essencial discutirmos esse tópico a partir de um olhar de origem periférica e quilombola, desenvolvendo dados com reflexões fundamentadas numa perspectiva histórica, sociológica e filosófica para pensar na contemporaneidade dos povos negros brasileiros.

Racismo Ambiental e Impactos em Comunidades tradicionais e periféricas

“O colonialismo e a escravidão ajudaram a construir um mundo fundamentado na destruição ambiental,” (Malcom Ferdinand, 2022)

Os países do Sul-global foram marcados pelo colonialismo, invasões, genocídios e consequentemente, a degradação ambiental. Neste sentido, o ‘corpo’ também se apresentou como uma perspectiva de território: a degradação de um território e o sequestro de corpos pelos seus saberes (corpo — território).

No Brasil, o primeiro caso de racismo ambiental foi a invasão de portugueses, em 1500. Os primeiros “ativistas” por justiça ambiental foram os povos indígenas que residiam neste território. A partir de então, houve uma intensificacação da ideia de colonidade e degradação ambiental através do sequestro e da exploração de corpos negros, colocando essa população em péssimas condições ambientais e sanitárias. Na época dos navios negreiros, muitos morreram tanto por conta de doenças trazidas pelos brancos europeus quanto pelas precárias condições de higiene desses espaços.

Esse é um dos vínculos que a colonização tem com a destruição ambiental, a ideia de que o ambiente dos “negros e indígenas” são inferiores e passíveis de qualquer tipo de violação. (Ana Sanches)

Para piorar a situação, o Estado brasileiro foi conivente com essas agressões, criando uma série de leis que violaram os direitos das pessoas pertencentes às comunidades negras e indígenas. Os povos indígenas, por exemplo, foram tutelados pelo Estado até a primeira constituição, ou seja, não tinham liberdade e autonomia de pensar ou agir. Dá uma olhadinha no quadro abaixo:

Vitor de Jesus, pesquisador na área de racismo, questões sanitárias e ambientais, comenta que na época da escravidão as pessoas negras eram as responsáveis por manter a higiene das casas grandes. Em contrapartida, essas mesmas pessoas tinham que conviver com lixo, se alimentar com restos de comida e estavam sujeitos a outras precariedades que prejudicavam a sua saúde.

De acordo com Sanches, uma injustiça foi agravando a outra. Nos últimos anos, a Mudança do clima agravou o racismo ambiental e consequentemente, as injustiças sociais, raciais, ambientais, geracionais, alimentares, de saúde e de gênero nos territórios.

Luta Ecológica X Luta Antirracistas e Decolonial

Por muito tempo houve uma forte separação entre a luta climática e a luta antirracista. No entanto, pensadores como Malcom Ferdinand propuseram unir os temas, criando uma rede entre a luta pela floresta e a luta dos povos que cuidam das florestas e de toda a sua biodiversidade.

Historicamente, a perspectiva indígena defendeu a convivência harmoniosa entre múltiplas espécies. No entanto, esse modelo foi rompido pela colonialidade, numa tentativa acadêmica elitizada de separar o que é selvagem do que é urbano, o que é desenvolvimento e o que é atraso. Esse pensamento foi despertado pelo ambientalismo branco, que pautou uma ideia racista de desenvolvimento ambiental e excluiu vidas de pessoas negras, quilombolas e indígenas neste debate.

Como a gente quer proteger a floresta se a gente está matando quem protege a floresta?” (Txai Suruí)

Mas com o avanço do tempo, o ambientalismo brasileiro influenciado por Chico Mendes e Marina Silva entendeu a importância das comunidades extrativistas, ou seja, comunidades que conseguem conviver de forma harmoniosa com a natureza. Desse modo, foi abandonado a ideia de “natureza sagrada e intocável” e a perspectiva de desenvolvimento sustentável (basicamente um capitalismo verde rs) foi adotada.

Justiça Ambiental

Já a corrente de justiça ambiental tem suas raízes no movimento negro estadunidense, a partir de lutas por direitos civis e ambientais da população afro-diaspórica.

Muitas pessoas ao redor do globo problematizaram que o Estado utilizava territórios negros, indígenas, periféricos, quilombolas e de outras comunidades tradicionais para depositarem seus lixos. Maria Carolina de Jesus, por exemplo, foi uma grande expoente dessa realidade no Brasil. Contudo, os EUA por ser reconhecido como grande nação imperialista, conseguiu maior visibilidade para cunhar o conceito, quando comparado com países do sul global. Por muito tempo nós latinos, não conseguimos desenvolver formalmente o tópico porque fomos deslegitimados tanto em nossa intelectualidade quanto em nossa produção acadêmica.

Se a gente olhar para Milton Santos, Adelino Santos, Abdias Nascimento e Lélia Gonzalez, percebemos que esses pesquisadores falam sobre a divisão racial do espaço geográfico há muito tempo! Por que precisamos sempre referenciar ao externo para territorializar essa pauta? (Ana Sanches)

Para Selma Dealdina, mulher quilombola do Espírito Santo e coordenadora da CONAC, racismo ambiental é quando nossos territórios são alvos dos grandes projetos. É um projeto de nação que exclui e expulsa o povo de seu próprio território.

Já Robert Bullard, definiu o termo em 1994, enquanto trabalhava na Texas Southern University (TSU) como “qualquer política, prática ou diretiva que afete ou prejudique, de formas diferentes, voluntária ou involuntariamente, a pessoas, grupos ou comunidades por motivos de raça ou cor, impactando os lugares onde moram, trabalham ou tem o seu lazer e reforçadas por instituições governamentais, jurídicas, econômicas, políticas e militares.”

Minha querida leitora, se queremos ter efetividade na luta contra o racismo ambiental, é necessário desenvolver uma visão crítica sobre os pesos históricos que moldaram nosso mundo. Como pode ser visualizado no mapa abaixo, os países do continentes da América do Norte, Europa e Ásia são os maiores poluidores ambientais:

"Em 2019, o 1% mais rico foi responsável por 16% das emissões globais de carbono, o equivalente às emissões dos 66% mais pobres (5 bilhões de pessoas)."

A crise climática e a degradação ambiental é e sempre foi uma questão produzida pelos mais ricos, essa é uma questão de geopolítica global que também se reflete nas comunidades locais.

“Os países que nos exploraram agora dizem que são sustentáveis, em cima da nossa degradação.” (Ana Sanches)

Nos territórios, pessoas do campo (agricultores indígenas e quilombolas) são constantemente impactados pelas secas, fortes chuvas, ondas de calor e diversos eventos climáticos extremos, que estão se tornando cada vez mais frequentes. Por essas pessoas não serem registradas no mercado de trabalho formal, não são consideradas “trabalhadoras” e portanto, não possuem acesso a direitos sociais e sequer entram numa perspectiva de seguridade social.

“A melhor tecnologia para proteger os rios é não poluir.” (Txai Suruí)

Esse mapa nos mostra como é o acesso ao tratamento de água, revelando que os lugares com mais tratamento estão localizados nas regiões sul e sudeste. Já no segundo mapa é possível perceber que onde mais tem população negra e indigena é onde menos tem tratamento e acesso a uma água limpa e de qualidade.

Essa realidade de descaso e subalternidade é visibiizada quando há a ocorrência de eventos climáticos extremos. De acordo com o Atlas de Desastre no Brasil, nos últimos 10 anos:

  • 83% dos municípios foram atingidos;
  • R$ 421,26 bilhões foram perdidos em danos materiais e prejuízos;
  • 1,57 milhões de moradias foram danificadas e quase 284 mil foram destruídas;
  • 177,41 milhões de pessoas foram afetadas, sendo 4,98 milhões de forma direta.

Antigamente a crise climática estava bem distante do imaginário popular brasileiro, sendo caracterizada com aquela clássica foto do urso polar desnutrido no Polo Norte. No entanto, essa realidade está mudando e agora temos nossas próprias figuras fortalecidas pela mídia:

Impacto do Racismo Ambiental e das Mudanças do Clima nos Quilombolas e Aldeias

  • Aumento da temperatura que secam os rios, matam peixes e impedem transporte de trabalho;
  • Fortes chuvas que causam alagamentos e deslizamentos;
  • Aumento de doenças e síndromes sensíveis ao clima;
  • Impedimento de acessos a serviços de saúde e direitos;
  • Desnutrição e insegurança alimentar

Apesar das muitas violências realizadas pela não ação do Estado, são os povos tradicionais que mais protegem nossos biomas e cuidam de toda a nossa biodiversidade. Eles são os verdadeiros guardiões da nossa memória e vida!

Neste sentido, a Rede Por Uma Adaptação Climática Antirracista, criou o conceito de Adaptação Antirracista, com o intuito de criar uma perspectiva que guie o desenvolvimento de políticas públicas que combata desigualdades:

Adaptacao climática antirracista é o enfrentamento as desigualdades raciais, de genero, geracionais, sociais, regionais e territoriais, a partir de um conjunto de políticas públicas estruturantes, interseccionais e intersetoriais. Essas políticas devem ter como foco assegurar o bem-viver, a proteção das vidas vulnerabilizadas e a conservação dos biomas, através de medidas estruturais e emergenciais. As políticas de adaptação antiracista, em sua concepção, planejamento, financiamento, implementação, monitoramento e avaliação, devem incorporar os saberes, as soluções e práticas populares, ancestrais e tradicionais, e as especificidades dos territórios. Sua efetivação visa reduzir os impactos desproporcionais da crise climática e dos eventos climáticos extremos, que afetam principalmente as populações negras, indígenas, quilombolas, tradicionais, periféricas e faveladas, no campo, na cidade, na floresta e nas águas.

É gata garota, foi uma baita aula com a Ana Sanches! Deixo com vocês o PPT de fechamento, onde minha musa inspiradora compartilhou os motivos do porque é importante alinhar a luta por justiça climática e a luta contra o racismo ambiental:

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Ativista climática, jovem conselheira do Pacto Global da ONU e fundadora do Instituto Perifa Sustentável. Amanda Costa é formada em Relações Internacionais, atua como Embaixadora Cultural dos EUA (IVLP — International Valuable Leadership Program) e Jovem Consultora do British Consul (Climate Skills e #90YouhVoices — UK). Reconhecida como #Under30 na revista Forbes, é TEDx Speaker, LinkedIn Top Voices, LinkedIn Creator e já participou de 5 conferências oficiais das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, sendo elas COP 23 — Bonn (Alemanha), COP 24 — Katowice (Polônia), COP 26 — Glasglow (UK), COP 27 — Sharm El Sheik (Egito), COP 28 — Dubai (Emirados Árabes), COP29 — Baku (Azerbaijão). Em 2024, Amanda foi painelista no BRICS Green Cities Forum, em Moscow — Rússia.

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Amanda da Cruz Costa
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Written by Amanda da Cruz Costa

#ForbesUnder 30 | Conselheira Jovem da ONU | Dir. Executiva do Perifa Sustentável

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