Pacto da Branquitude
Reflexões sobre o livro da Cida Bento
Olá minha lindeza climática ❤
Essa semana conversei com um amigo que admiro muitoooo, sobre minha decisão de parar de trabalhar de graça. Ele me chamou no direct do Insta e disse que meu texto foi profundo, tocou a sua alma e o levou a refletir sobre muitas coisas, principalmente, a sua raça.
Uma de suas frases me marcou:
“Sabe Amandinha, muitas vezes eu achei que ainda não tinha chegado lá pois não era bom o suficiente. Hoje eu entendo que existe um sistema que privilegia as pessoas brancas.”
Triste realidade!
Eu respondi que isso também aconteceu comigo e que por muito tempo, eu pensava que ainda não tinha alcançado oque eu desejava porque não estava me esforçando o suficiente… Que bastava estudar mais, trabalhar mais, militar mais. Se não cabia na agenda, eu deveria dormir menos, almoçar mais rápido, trocas as atividades de lazer por atividades de produção!
O resultado? Eu me sentia triste, sugada e exausta…
Sempre gostei muito de estudar e minha amiga Camila Berteli me aconselhou a deixar os livros de coach de lado para me aprofundar no tema de raça. Foi libertador! Ainda estou no processo, mas sinto que uma venda foi arrancada dos meus olhos. Hoje realmente entendo que meritocracia não existe e que a escravidão e a colonização deixaram uma herança de privilégios que fundamenta um sistema que favorece principalmente as pessoas brancas, muitos netos e bisnetos de antigos escravocratas.
E essa galera se protege, viu? Todo esse conceito está dentro de uma teoria criada pela pesquisadora Cida Bento, chamada da Pacto Narcicístico da Branquitude.
Querida leitora, precisamos falar desse tema urgente! Refletir, debater e entender a história para acabar com toda a expropriação, violência e brutalidade que pessoas brancas praticam, seja de forma consciente ou inconsciente, que afeta diretamente pessoas negras e indígenas.
“Fala-se muito na herança da escravidão e nos seus impactos negativos para as populações negras, mas quase nunca se fala na herança escravocrata e nos seus impactos positivos para as pessoas brancas.” (Cida Bento)
A real é que não temos um problema negro no Brasil, temos um problema nas relações entre negros e brancos. É a supremacia branca incrustada na branquitude, uma relação de dominação de um grupo sobre outro que atravessa a política, cultura e economia, assegurando privilégios para um dos grupos e relegando péssimas condições de trabalho, de vida, ou até mesmo a morte, para o outro.
Toda essa lógica atravessa GERAÇÕES e se perpetua numa relação de domínio, que só será interrompida quando as pessoas brancas estiverem dispostas a deixar seus privilégios de lado e se empenharem na construção de uma sociedade verdadeiramente antirracista.
Oque deixa todo esse papo complexo é que poucos querem falar sobre isso. Já cansei de ouvir que…
- Isso é papo de gente mimizenta.
- Racismo não existe, somos todos iguais.
- Quem quer consegue. Só reclamar menos e trabalhar mais!
Queria eu que fosse tão simples assim! As formas de exclusão e manutenção de privilégios são sistematicamente negadas ou silenciadas. É como se o pacto da branquitude tivesse um componente narcísico de autopreservação, no qual o “diferente” (negro/indígena) ameaçasse o “normal”, o “universal” (branco).
“Os negros são vistos como invasores do que os brancos consideram seu espaço privativo, seu território. Os negros estão fora de lugar quando ocupam espaços considerados de prestígio, poder e mando. Quando se colocam em posição de igualdade, são percebidos como concorrentes.” (Cida Bento)
Meritocracia existe?
De acordo com Daniel Markovits, autor do livro A cilada da meritocracia, a meritocracia pretende justificar desigualdades e criar uma elite que se considera trabalhadora e virtuosa. Esta elite se beneficia das enormes desigualdades em investimentos educacionais e se esforça para oferecer as mesmas oportunidades educacionais aos filhos, passando os privilégios de uma geração à outra, o que vai impactar melhores oportunidades de trabalho e de salários para este grupo.
Querida leitora, quero tangibilizar nossa conversa com um exemplo.
Há algumas semanas, fui para o interior de São Paulo gravar um comercial. Para realizar essa atividade, a gravadora contratou 5 jovens modelos: um menino branco, uma menina branca, um menino nordestino de pele clara, uma menina PcD de pele clara e uma menina negra. O vídeo teria apenas 30 segundos, mas ficamos o dia inteiro para fazer as cenas. Enquanto não estávamos gravando, aproveitamos o tempo para papear e saber mais sobre o corre um do outro.
Lembro muito bem da história do menino branco:
“ Eu faço faculdade na FGV, mas ainda não trabalho. Escolhi essa faculdade para dar seguimento aos negócios do meu pai. Ele já arrumou um trabalho para mim, com um amigo próximo. No próximo semestre vou estagiar na Coca-cola.
Eu não queria militar naquele momento, mas não consegui segurar a língua e respondi com um sorrisinho:
Você sabe que isso tem nome, né? PRI-VI-LÉ-GIO!
Ele ficou sem graça e disse:
É… por isso que a gente tem que valorizar.
Eu peguei um caso específico, mas quero te convidar a ampliar o olhar para analisar como essa situação se repete com brancos herdeiros. Não estou falando que pessoas brancas não enfrentam problemas, não me leve a mal. Estou dizendo que muitos brancos se beneficiam de uma estrutura de privilégios que não estão dispostos a largar!
“Privilégio branco é entendido como um estado passivo, uma estrutura de facilidades que os brancos têm, queiram eles ou não. Ou seja, a herança está presente na vida de todos os brancos, sejam eles pobres ou antirracistas. Há um lugar simbólico e concreto de privilégio construído socialmente para o grupo branco.” (Cida Bento)
A branquitude se beneficia da herança de um estado escravocrata!
Entre 1500 e 1900, a colonização europeia movimentou 18 milhões de africanos escravizados pelo mundo. Antes do começo desse colonialismo, a África e a Ásia eram regiões relativamente ricas e produtivas, enquanto a Europa era economicamente pouco importante. Masss, eles encontraram um jeitinho de reverter a situação e a Europa tornou-se uma região relativamente rica e a África e Ásia tornaram-se locais com problemas crônicos de pobreza. Essa reversão não é efeito apenas fruto da extração dos recursos dessas regiões, mas também da destruição de estruturas econômicas, ambientais e sociais tradicionais.
Está na hora de revelar a verdadeira história!
O Brasil, por exemplo, se preocupou em prover reparação aos proprietários de escravizados. Em 1871 foi publicada a Lei do Ventre Livre, libertando os filhos das mulheres escravizadas, mas colocando-os sob custódia do senhor, que deveria receber uma indenização do Estado quando a criança completasse oito anos, ou poderia exigir compensação da própria criança, forçando-a a trabalhar até os 21 anos.
Pois é, minha cara leitora, como diz Racionais MC’s na música Jesus Chorou: se o barato é louco e o processo é lento, no momento, deixa eu caminhar contra o vento.
Vou caminhar contra o vento e lutar contra esse sistema de privilégios que insiste em silenciar a minha voz. Até porque, a história do movimento negro é uma história de resistência e de lutas travadas durante todo o período da escravidão, indo da resistência individual às insurreições urbanas e quilombos.
Hoje meu quilombo é meu território de resgate de memória, fortalecimento cultural e compreensão da verdadeira história. Numa sociedade desfigurada pela herança do racismo, eu escolho me curar ao lado dos meus, pois sei que apenas a minha existência enquanto mulher preta questionadora, vai incomodar aqueles que desejam se manter no poder.
Querida leitora, não estou aqui para impor a miha narrativa. Mas desejo, do fundo do coração, que a nossa conversa possa te fazer refletir, questionar e problematizar as normas que nos foram impostas. E para fInalizar, lembre-se: o racismo não é um problema meu, ele é um problema NOSSO! Você está disposta a desenvolver uma postura realmente antirracista?
Quer se aprofundar nesse tema? Assista Cida Bento no Roda Viva:
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Amanda Costa é ativista climática, jovem conselheira do Pacto Global da ONU, fundadora do Instituto Perifa Sustentável e apresentadora do #TemClimaParaIsso?, um programa sobre crise climática. Formada em Relações Internacionais, Amanda foi reconhecida como #Under30 na revista Forbes, TEDx Speaker, LinkedIn Top Voices e Creator e em 2021 foi vice-curadora do Global Shapers, a comunidade de jovens do Fórum Econômico Mundial.