Investigações sobre a não-monogamia

Reflexões sobre o livro Descolonizando Afetos — Experimentações sobre outra forma de amar, da Geni Nuñez.

Amanda da Cruz Costa
7 min readJan 3, 2025

Lembro a primeira vez que esse assunto chegou para mim e eu achei um absurdo. Logo pensei:

Agora o mundo se perdeu de vez! As pessoas querem passe livre para trair, ficar com um monte de gente e abandonar totalmente a responsabilidade emocional.

Eu não podia estar mais errada, tinha uma visão completamente deturpada sobre a não-monogamia… Mas eu acolho a Amanda do passado, viu? Cresci na igreja e fui profundamente atravessada pelo patriarcado. Noa fui ensinada a pensar criticamente sobre minhas relações…

Em 2022 esse assunto voltou para mim, pois um garoto que eu me relacionava tinha perguntado sobre a possibilidade da gente se abrir para outros relacionamentos.

Me senti super ofendida e fiquei pistola! Será que ele não me achava o suficiente para ele? Obviamente o rolo não deu certo e decidimos nos afastar. Eu não estava preparada para esse assunto e naquele momento, ele não soube me deixar segura e confortável para que a gente dialogasse sobre o assunto…

A partir de então, me fechei para esse debate. Nos próximos encontros que tive, afirmava a minha monogamia logo no começo. Quando conheci o Gui, esse tema foi assunto do primeiro encontro. Assim como eu, ele buscava algo fechadinho, monogâmico, exclusivo. Depois de um mês de encontros, paqueras e flerte, ele me pediu em namoro.

O começo de um relacionamento é uma delícia! A paixão bate forte e nos sentimos nas nuvens… Mas depois de um tempo, o relacionamento cai na rotina e é aí que entra o amor, o companheirismo, a parceria.

Após uns 8 meses de namoro, perguntei o que ele toparia abrir o relacionamento. Eu sentia saudade da aventura, de conhecer novas pessoas, de ser livre! Tentamos por 15 dias, mas antes que eu pudesse ter qualquer experiência romântica, ele me pediu para fechar.

Respeitei e aceitei.

Naquele momento eu não tinha ferramentas o suficiente para conseguir conduzir meu relacionamento para um lugar de segurança, diálogo e aprendizado mútuo dentro da não-monogamia e entendi que precisava me aprofundar no assunto. No entanto, nos meses seguintes fui engolida pelo trabalho, estudos e compromissos profissionais. A real é que eu não tinha nem tempo nem energia para pensar nessas questões e me sentia contente por ter um chameguinho depois de tanto estresse, ansiedade e cansaço…

Com o tempo, percebi que minha postura não estava saudável. Eu não podia depositar no meu relacionamento o cuidado de todos os meus sentimentos, sejam eles alegria, carência, cuidado, medo, carinho ou tristeza.

Foi aí que a conta chegou: tive a minha primeira crise de ansiedade!

Coração disparando, corpo tremendo seguido de choro, muito choro. Um medo angustiante invadiu o meu corpo e me senti no meio de um pesadelo, como se fosse uma paralisia do sono que não me permitia acordar.

Depois de uns 15 min (que mais pareceram 15 horas) passou. E junto com essa experiência, passou o meu medo de buscar formas criativas para cuidar de mim mesma. Compreendi que preciso descentralizar as minhas relações, investir tempo de qualidade para além do trabalho e estudos.

  • Me matriculei numa escola de futevôlei.
  • Voltei a praticar Comunicação-Não-Violenta.
  • Investi tempo para bater papo com meus amigos.

Numa dessas conversas, um amigo me contou que adota uma perspectiva não-monogâmica para a sua vida, mas prefere utilizar o termo relações criativas. Ao invés de entrar nos jogos manipulativos dos “contatinhos”, ele apresenta suas intenções a partir do primeiro encontro. Ele me disse:

Amandinha, eu tenho preguiça dos joguinhos afetivos. Quando eu gosto de alguém, logo chamo a pessoa para sair. No primeiro encontro, digo: “olha, preciso te falar uma coisa que talvez soe esquisito. Eu não quero ser seu contatinho. Não quero que você crie expectativas de que precisa agir de certa forma para que a nossa relação evolua para algo mais sério, como um namoro. Não quero performar e não quero que você performe. Eu quero te conhecer de forma leve, descontraída, sem máscaras. Quero descobrir a pessoa incrível que você é sem precisar ter que te beijar ou te levar para a cama. Se isso rolar, ótimo. Só não quero a obrigatoriedade de ter que fazer isso para que a nossa relação continue. Quero sair contigo e te conhecer verdadeiramente, mesmo que depois de um tempo, a gente não sinta mais vontade de se envolver sexualmente. Vamos fazer um acordo para cuidar da dessa relação?”

Eu fiquei chocadíssima! Achei um jeito lindo, transparente e verdadeiro de construir relações afetivas. No final da conversa, meu amigo me indicou o livro Descolonizando Afetos — Experimentações sobre outra forma de amar, da @genipapos (Geni Nuñez). Comprei no mesmo dia e devorei o conteúdo! Percebi que a minha concepção de não-monogamia estava muitooooooo errada e quero compartilhar contigo alguns aprendizados que tive com a leitura =)

“Em uma perspectiva crítica sobre não monogamia, não se trata de simplesmente aumentar a quantidade de vínculos sexuais, mas de construir outra forma de vivê-los, independentemente de seu número.” (Geni Nuñez)

O livro foi publicado no dia 30 de outubro de 2023 pela editora Paidós, tem 192 páginas e é dividido em três partes:

  1. Descolonização e relacionamentos
  2. Desmistificando a não monogamia
  3. Os desafios da desconstrução, acolhendo inseguranças e angústias

A autora, Geni Núñez, é uma ativista indígena Guarani, psicóloga e escritora conhecida por suas contribuições em debates sobre não monogamia e descolonização dos afetos. Seu livro aborda reflexões anticoloniais sobre relacionamentos afetivos, repensando a exclusividade e explorando outras formas de amar.

Ela começa a obra dizendo que apesar de muitos falarem que a não-monogamia está na moda, essa é uma grande falácia. Grupos indígenas possuem um outro modelo para construir relações há muuuuuito tempo. Ela conta que a resistência à imposição da monogamia foi registrada desde a invasão do Brasil, em 1500, nas cartas de vários jesuítas, como o padre Manuel da Nóbrega e o missionário Martin de Centera.

A real é que a monogamia é um modelo político imposto pela igreja católica, sendo umas das estratégias de dominação utilizadas para subjugar povos. Se queremos superar as opressões coloniais, precisamos levantar reflexões para encontrar novos modelos que nos cuidem, nos amparem e façam sentido para cada um de nós. Em outras palavras, ao invés de tentar incluir normas que historicamente nos violentam, que possamos nos despir do orgulho e encontrar novas formas de amar.

“Uma pessoa ser não monogâmica significa simplesmente que ela não terceiriza decisões sobre seu próprio corpo, de maneira que ela pode usar sua liberdade de escolha inclusive para não se relacionar sexualmente com ninguém.” (Geni Nuñez)

Querida leitora, em determinado momento da minha vida, por estar tão sobrecarregada com trabalho e estudos, eu me reconheci no seguinte trecho da Geni:

“Muitas vezes, lentamente, a pessoa até então alegre vai se tornando insegura, amarga e ressentida. Com cada vez menos energia e com nutrição emocional variada, vai se tornando mais e mais dependente daquela única relação e tendo menos energia e disposição para cultivar algo que vá além daquela redoma.”

Neste ano meu objetivo é descolonizar afetos!

Não to dizendo que vou abrir meu relacionamento e ficar com todo mundo, a não-monogamia não é nada, nadinha, nadica de nada sobre isso. Como diz Nuñez, na descolonização dos afetos, o comprometimento não se restringe a uma relação, mas abrange todas. Não se trata apenas de incluir mais pessoas na categoria “oficial”, mas justamente de repensar o formato do compromisso. Para mim, esse será um acordo comigo mesma para encontrar novos caminhos de descentralizar relações com o intuito de evitar a sobrecarga no trabalho, estudos e namoro.

Quero que esse processo seja alegre, leve e gostosin!

Aprendi que o acolhimento não precisa vir unicamente do meu parceiro amoroso. De acordo com a Geni, “acolhimento pode ser receber escuta, receber suporte da rede de apoio para se fortalecer, ter companhias para rir de si mesmo, se distrair da angústia, para voltar a ela de outra forma e assim por diante.”

Querida leitora, nos desejo autonomia, alegria, expansão e transbordamento neste novo ano ❤

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Ativista climática, jovem conselheira do Pacto Global da ONU e fundadora do Instituto Perifa Sustentável. Amanda Costa é formada em Relações Internacionais, atua como Embaixadora Cultural dos EUA (IVLP — International Valuable Leadership Program) e Jovem Consultora do British Consul (Climate Skills e #90YouhVoices — UK). Reconhecida como #Under30 na revista Forbes, é TEDx Speaker, LinkedIn Top Voices, LinkedIn Creator e já participou de 5 conferências oficiais das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, sendo elas COP 23 — Bonn (Alemanha), COP 24 — Katowice (Polônia), COP 26 — Glasglow (UK), COP 27 — Sharm El Sheik (Egito), COP 28 — Dubai (Emirados Árabes), COP29 — Baku (Azerbaijão). Em 2024, Amanda foi painelista no BRICS Green Cities Forum, em Moscow — Rússia.

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Amanda da Cruz Costa
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Written by Amanda da Cruz Costa

#ForbesUnder 30 | Conselheira Jovem da ONU | Dir. Executiva do Perifa Sustentável

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